sexta-feira, 27 de maio de 2011

O exercício da convivência verdadeira

Em sociedades tão plurais e desiguais como a nossa, conviver com grupos ou classes diferentes é um grande desafio.

Dia desses, batendo papo no pão de queijo da faculdade, minha amiga Priscila falou de um filme que não me lembro e citou a fala de um personagem que também não me lembro, mas a frase dizia mais ou menos assim: “Você diz que ama a humanidade, mas tolera uma pessoa fedida ao seu lado?”

Fiquei pensando...

Algumas semanas atrás estávamos eu e mais duas amigas sentadas em uma mesa na calçada de um açaí, quando um mendigo sentou-se na mesa conosco. Sentia-se o seu fedor de longe e ele pôs-se a falar freneticamente, bem em cima do meu açaí. Aquilo começou a me incomodar demais e não sabia o que fazer. Não poderia mandá-lo embora, mas também não queria sua presença. E assim, ele permaneceu ali por mais de 20 minutos, enquanto esperava o preparo de um lanche que minha amiga mandara fazer para ele.

Em outra ocasião anterior a esta, voltava de Araraquara para Ribeirão-Preto e, dentro do ônibus em que estava, nas poltronas ao lado da minha, na outra fileira, havia dois homens ouvindo músicas no celular em um volume muito alto. Também falavam alto e começaram a puxar papo com a moça que estava sentada ao meu lado, naquele tom de paquera. É evidente que fiquei irritada com a situação. Pensei em pedir pra que abaixassem o volume, falassem baixo, saltassem do ônibus! Rs... Mas respirei fundo e resolvi colocar meus fones de ouvido e aproveitar a viagem para dormir o que não havia dormido a noite.

Caso parecido acontece na Praça Coronel Salles, em São Carlos, onde adolescentes se reúnem toda sexta-feira a noite em busca de diversão, já que não têm dinheiro para freqüentar as “baladas” ou barzinhos da cidade. Os moradores e comerciantes das proximidades sentem-se incomodados com o cheiro ruim - devido aos adolescentes urinarem nas paredes -, com o lixo que deixam, com o uso de drogas e com o barulho que fazem.

Em todos estes casos, o incômodo é compreensível. Mas o que fazer diante dele? Como resistir à ação imediata de rotular negativamente tais pessoas?

Em situações como esta é mesmo difícil exercer a lição das ciências sociais e enxergar os fatos para além do que vemos e sentimos imediatamente.

Porém, não podemos consentir a nós mesmos que nos limitemos a enxergar estes fatos isoladamente e descarreguemos a culpa sobre os indivíduos.

O que as ciências sociais procuram fazer é compreender o contexto social que envolve todos os atores: tanto eu quanto o mendigo, tanto eu quanto os homens do ônibus e tanto adolescentes quanto moradores e comerciantes.

Compreendendo o contexto social dos conflitos chegaremos a conclusões que evidenciem as falhas em nossa estrutura social que geraram estas desigualdades, e poderemos pensar formas de intervir nestas falhas. Afinal de contas, estamos falando de violências cometidas pelo Estado em relação a estas pessoas, pois são postas à margem da sociedade.

Assim, eu, quando experimento situações deste tipo, esforço-me pela compreensão, a paciência, o respeito, a convivência verdadeira.

Um exercício quase religioso e muitas vezes inalcançável. Mas também tento, sempre, pensar soluções, alternativas, formas concretas de melhorar estas relações, o que talvez caiba particularmente a mim, pela profissão que escolhi seguir.

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