quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Pimpolhando 2: Construindo uma linda amizade.


Eu  tive um aluninho que entrou na creche no mesmo dia que eu. Me lembro direitinho: enquanto eu entregava minha carteira de trabalho ele e seu pai faziam a matrícula. Era um senhor nordestino, de bermuda e botinas. Disse que a mãe do garoto não viera porque já estava trabalhando desde às 5h da manhã.

Fomos para a sala de aula. Nunca havia atuado na área e ele nunca havia ficado longe dos pais. Estávamos nervosos...

A minha entrada foi empolgante! Me apresentei para as crianças, conversamos, cantamos a canção de bom dia e etc. Ele ficou retraído, em pé ao lado da porta. Evidentemente tentei levá-lo para junto das outras crianças, me apresentei, tentei puxar assunto, mostrei brinquedos. Ele não respondia a nada. Tudo bem, era nosso primeiro dia.

No segundo, terceiro, quarto, quinto dia, tudo do mesmo jeito. Nada de papo. Mas tudo bem, era nossa primeira semana.

Passaram-se duas semanas até que ele aceitasse sair da porta. Em menos de dois meses, estávamos amigos!  Brincávamos e conversávamos sobre tudo!

Mas havia uma coisa que ainda me preocupava: ele não comia frutas. Tentamos mil estratégias, nada funcionava. A nutricionista entrou em contato com a mãe perguntando o que ele costumava comer em casa. A resposta foi "salgadinho e leite".

Até que um dia, sem querer, eu encontrei a estratégia certa. Havia um celular de brinquedo na sala que eu sempre pegava e "ligava" pra muitas pessoas, estimulando as crianças, que o usavam sem falar nada. Ligava pra minha mãe, pro meu pai... E logo vinham vários pimpolhos pedindo pra eu ligar pros pais deles! Eu ligava e conversava até não aguentar mais! Falava tudo que eles pediam, depois passava pra eles, que assim foram desenvolvendo muito a fala, a desenvoltura e a criatividade.

Pois bem, um dia lá estava eu, falando com toda a família do dito cujo que não comia frutas. Até que eu comentei, muito naturalmente...

-Ah, ele tá aqui brincando comigo sim! Já cantamos a musiquinha de bom dia, fizemos a atividade do dia, brincamos com lego, mas na hora do lanche ele não quis comer frutinha, o senhor acredita? Pois é, justamente a frutinha, que é o mais gostoso!

Ele achou muito engraçado! Aí pediu pra eu ligar de novo pra avó, pro avô e pra mãe, pra eu contar isso que havia "esquecido". Depois veio e me disse: -Agora eu vou comer frutinha!

No dia seguinte, na hora do lanche, fui buscar a fruta. Era mamão! Pensei: "Justamente hoje vem mamão? Ele não vai querer..."

Cheguei na sala com o prato e ele foi o primeiro a se sentar para comer! Dei o mamão pra ele que na hora enfiou na boca e comeu! Fiquei abismada! Corri, peguei o celular e "liguei" pro pai dele:

-O senhor não acredita! Isso mesmo, ele comeu frutinha! Sim, pode falar com ele!

Depois de ele falar com o pai, eufórico, saímos, eu e ele, contando pra todo mundo da creche que ele havia comido frutinha! Era inacreditável! Algo como um gol que ninguém espera, uma vitória sofrida em final de campeonato!


Hoje já não trabalho nesta creche. Minha primeira experiência como professora foi repleta de alegrias, medos, conquistas, angústias, vitórias! Este garoto, em especial, me ensinou muito e estará pra sempre em minha memória e em minhas conversas com Deus. Que a porta e a frutinha tenham sido apenas os primeiros desafios dos muitos que ele há de vencer!