terça-feira, 26 de janeiro de 2010

OLGA

O livro “Olga”, de Fernando Meirelles, tem trechos particularmente emocionantes. Desde descrições de torturas, casais apaixonados e suas juras de amor, a revelações de personalidades que lutaram na revolução e pouca gente sabe.
Um desses momentos, conto à vocês:

Chega à Casa de Detenção mais de cem nordestinos que haviam participado da revolução em Recife e Natal, e para recebê-los, Ghioldi é orientado para lhes fazer um discurso “otimista, triunfalista, para levantar o moral daquela gente que tinha viajado em condições horrorosas”.

Mesmo descrente de que pudesse haver otimismo em tempos de Hitler, Mussolini e Filinto Müller, o argentino emocionou a todos ao dizer que estes ditadores estavam com os dias contados, “que o glorioso exército vermelho de Stalin esmagaria o nazi-fascismo como uma barata repelente”.

Após o discurso, entra em sua cela um dos recém chegados, “jovem semicalvo, de cabelos escuros e ar tenso, e se apresentou:”

-Muito prazer, senhor Ghioldi, meu nome é Graciliano Ramos. Estou muito contente e o felicito por suas palavras tão bonitas. Mas reconheça, aqui entre nós, com sinceridade: o senhor não acredita em uma única vírgula do que acabou de falar, não?

Disciplinado, Ghioldi foi obrigado a mentir:

-Não, señor Ramos. Eu acredito em rigorosamente tudo o que falei para vocês.

Graciliano não se convenceu:

-Não sei exatamente qual é a sua história, mas eu sou do Nordeste e conheço bem o meu povo. E este é um povo que está tão atrasado, tão embrutecido pela miséria, que creio que não poderá fazer a revolução jamais.

O comunista argentino insistia, aparentemente convicto:

-Mas, señor Ramos, o mujique russo era muito mais atrasado que o nordestino e, no entanto, fez uma revolução que vai mudar a face do mundo. A revolução não depende apenas do grau de cultura de um povo. E sem esses camponeses russos atrasados e embrutecidos, não teria existido a Revolução Russa.

Graciliano deixou a cela de Ghioldi em silêncio, sem contestar.”

domingo, 17 de janeiro de 2010

Literatura é chato!

Acabo de ler no site “Portal Literal” sobre a publicação do livro “A Literatura em Perigo”, do crítico literário Tzvetan Todorov. O livro é uma análise do ensino de literatura na França e que cabe muito bem ao Brasil (Se a literatura corre perigo na França, imagine no Brasil).

Segundo Tzvetan, o ensino de literatura nas escolas é focado na estrutura do texto - seu gênero, sua forma, seu estilo - tornando secundário o mais importante: seu conteúdo e relação com o mundo.

Logo que li, lembrei das aulas do colégio. Quando lia um bom livro, ficava ansiosa pela aula que o “discutiria”, mas ao contrário de discussões, tinha de me contentar com explicações frias sobre como o vestibular o cobraria. Impossível não ouvir ao final da aula “Como literatura é chato!”.

Toda uma geração - e não apenas a literatura - corre perigo tendo esse ensino. Saem das escolas pessoas incapazes de um olhar crítico sobre um livro, um acontecimento, o mundo e sobre si próprio.

O livro está sendo lançado no Brasil pela editora Difel e tradução de Caio Moreira.

Fonte (17/01/2010): http://portalliteral.terra.com.br/home/