O livro “Olga”, de Fernando Meirelles, tem trechos particularmente emocionantes. Desde descrições de torturas, casais apaixonados e suas juras de amor, a revelações de personalidades que lutaram na revolução e pouca gente sabe.
Um desses momentos, conto à vocês:
Chega à Casa de Detenção mais de cem nordestinos que haviam participado da revolução em Recife e Natal, e para recebê-los, Ghioldi é orientado para lhes fazer um discurso “otimista, triunfalista, para levantar o moral daquela gente que tinha viajado em condições horrorosas”.
Mesmo descrente de que pudesse haver otimismo em tempos de Hitler, Mussolini e Filinto Müller, o argentino emocionou a todos ao dizer que estes ditadores estavam com os dias contados, “que o glorioso exército vermelho de Stalin esmagaria o nazi-fascismo como uma barata repelente”.
Após o discurso, entra em sua cela um dos recém chegados, “jovem semicalvo, de cabelos escuros e ar tenso, e se apresentou:”
-Muito prazer, senhor Ghioldi, meu nome é Graciliano Ramos. Estou muito contente e o felicito por suas palavras tão bonitas. Mas reconheça, aqui entre nós, com sinceridade: o senhor não acredita em uma única vírgula do que acabou de falar, não?
Disciplinado, Ghioldi foi obrigado a mentir:
-Não, señor Ramos. Eu acredito em rigorosamente tudo o que falei para vocês.
Graciliano não se convenceu:
-Não sei exatamente qual é a sua história, mas eu sou do Nordeste e conheço bem o meu povo. E este é um povo que está tão atrasado, tão embrutecido pela miséria, que creio que não poderá fazer a revolução jamais.
O comunista argentino insistia, aparentemente convicto:
-Mas, señor Ramos, o mujique russo era muito mais atrasado que o nordestino e, no entanto, fez uma revolução que vai mudar a face do mundo. A revolução não depende apenas do grau de cultura de um povo. E sem esses camponeses russos atrasados e embrutecidos, não teria existido a Revolução Russa.
Graciliano deixou a cela de Ghioldi em silêncio, sem contestar.”
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